31 de outubro de 2017

Opinião – “O Castelo de Vidro” de Destin Daniel Creton

Sinopse

Uma jovem menina atinge a maioridade numa família disfuncional de nómadas inconformados, com uma mãe que é uma artista excêntrica e um pai alcoólatra que tenta despertar a imaginação das crianças com a esperança que elas se abstraiam da pobreza em que vivem.

Opinião por Artur Neves

Destin Daniel Creton, realizador Havaiano, nascido em 1978 em Maui nos USA, traz-nos aqui uma saga familiar real, baseada no livro de Jeannette Walls, (Brie Larson) atualmente jornalista no New York Magazine, sobre a sua própria vida e do seu irmão Brian e irmã Lori, bem como de sua mãe, Rose Mary Walls (Naomi Watts) que sofreram o despotismo do cabeça de casal, na constituição de uma família disfuncional que apesar de todas as vicissitudes sobreviveu unida.
Woody Harrelson, com a sua expressão de normal insanidade que estamos habituados a reconhecer-lhe desempenha magistralmente o papel do patriarca Rex Walls, ex-militar revoltado com o sistema e avesso a tudo o que fosse trabalho regular com horários, deveres e obrigações. Tinha frequentado engenharia durante a vida militar e esses incompletos conhecimentos, aliados a uma inteligência natural, permitiam-lhe a concepção de ideias com que ele iludia os anseios da família e as suas reais necessidades, através de promessas nunca cumpridas e de sonhos visionários de que ele se servia para sublimar a constante pressão familiar. A sua verdadeira atividade resumia-se e pequenos estratagemas e golpes entre amigos, muito álcool e um vício inveterado de fumar que o há de conduzir à morte.
Rose Mary, pintava quadros e descurava a casa, a comida que não existia e o tratamento dos filhos, cujos mais novos eram assistidos em sequência pelos mais velhos, na sua ânsia de criação da obra-prima que nunca aparecia.
Neste ambiente destacava-se Jeannette Walls, que pela sua sensatez e intuição inata era preferida pelo pai, muito embora também usada por este. Todo este clima familiar disfuncional, louco e por vezes perverso, é-nos mostrado com um realismo cru que as fantasias de Rex só acentuam, não só pela impossibilidade que encerram, como também na “cortina de fumo” que se pretendem constituir para ocultar uma enorme inaptidão para a vida e para o trabalho.
Rex Walls não é louco, nem realmente mau, é simplesmente inadaptado convicto e usa a sua inteligência para mascarar com fantasias dilatórias a sua congénita incapacidade de realização e de iniciativa, sempre voltado e inspirado para obras megalómanas de realização impossível como os meios ao dispor, dos quais “O Castelo de Vidro” ocupa o lugar principal.
O filme transmite-nos com realismo um ambiente de vida avulsa e insana para o que contribuem interpretações de personagens consistentes, com espessura e estatuto adequado ao meio rural onde vivem. Os avós de Jeannette são inenarráveis e o almoço de família alargado é digno de figurar numa galeria de aberrações. Recomendo, é interessante do ponto de vista da exuberância da diversidade humana.

Classificação: 7,5 numa escala de 10

30 de outubro de 2017

Opinião – “A Vida de Brad” de Mike White

Sinopse

Brad (Ben Stiller) tem um emprego satisfatório e uma vida confortável nos subúrbios onde mora com a sua esposa Melanie (Jenna Fisher) e o seu filho Troy (Austin Abrams). No entanto esta está longe de ter a vida com que sonhou nos tempos gloriosos da Faculdade. Quando viaja para Boston com o seu filho para uma tour pelas faculdades locais, Brad não consegue deixar de comparar-se aos amigos desses tempos e apercebe-se o quanto a vida fugiu às suas expetativas. Mas quando as circunstâncias o levam a reencontrar os amigos, começa a questionar-se sobre se de facto falhou ou não e se nos pontos essenciais as vidas dos seus amigos não serão mais imperfeitas que a sua.

Opinião por Artur Neves

Ben Stiller, que nos acostumou a personagens estereotipadas em comédias extravagantes, cada uma mais louca do que a anterior, apresenta-nos agora este “Brad” em tempo de reflexão pessoal sobre a vida vivida e a que falta viver, questionando-se sobre o seu valor e sobre os sucessos obtidos na sua atividade profissional, bem como, da utilidade e significância dessa mesma atividade para os outros e para o mundo que o cerca.
Essa reflexão, decorre durante todo o filme, em off, condicionando o seu comportamento no presente, na viajem que faz com o seu filho para escolha da universidade onde se irá formar. Brad analisa a sua situação, comparando-a com o que ele sabe, ou julga que sabe, do destino dos seus amigos de faculdade, enaltecendo os sucessos que conhece aos outros e comparando-os com a rotina e insignificância dos seus dias, da sua atividade e da sua família, que ele presa, sem dúvida, mas que que não o considera como o herói que ele queria ser considerado, projetou ser, e reconhece não ter conseguido.
Esta dicotomia, fá-lo sofrer e agir em função do estado de alma do momento que é normalmente depressivo, vencido, derrotado por ele próprio e pela autocomiseração de não ter atingido os objetivos que julga ver conseguidos nos outros.
Mike White, nascido em 1970 na Califórnia dirige este argumento de sua autoria, centrando as dúvidas e questões que todos temos acerca de nós próprios, na personagem deste Brad que oscila entre a euforia da imaginação do que gostaria de ter sido e conseguido e a depressão frequentemente apática, da sensação de insucesso e menor valia da sua vida. Normalmente somos muito severos connosco próprios, até porque, os dados com que equacionamos a nossa existência não têm o rigor, a gravidade ou a importância que lhes atribuímos, particularmente quando resultam de uma comparação avulsa e difusa com os outros. Nem sempre as coisas são o que parecem, tal como as julgamos.
Parece-me todavia que Mark White também fica aquém dos objetivos pretendidos com esta reflexão intimista de uma existência de classe média, quando, após tanto debate e tantas realidades serem apontadas não nos apresenta uma possível saída para tanta angústia. Este filme está erradamente classificado como comédia, de acordo com a minha interpretação.

Classificação: 6 numa escala de 10

26 de outubro de 2017

Opinião – “Tour de France” de Rachid Djaïdani

Sinopse

Far’Hook é um jovem rapper de 20 anos. Depois de um ajuste de contas é obrigado a deixar Paris durante algum tempo. O seu produtor; Bilal, pede-lhe que tome o seu lugar e que acompanhe o seu pai; Serge, a dar uma volta a França, pelos caminhos de Joseph Vernet. Apesar do choque cultural e de gerações, uma amizade improvável vai nascer no decorrer de uma peripécia que os levará a Marseille para um concerto final, o da reconciliação.

Opinião por Artur Neves

O que temos aqui é uma história de contrastes civilizacionais que se vêm forçados a conviver no mesmo espaço e num tempo, que aos mais novos lhes concede o privilégio de reivindicar e julgar os conceitos que lhes permite desfrutar dessa oportunidade.
Serge Desmoulins (Gérard Depardieu) quer seguir o seu sonho de pintar, ele próprio, os quadros do pintor da sua preferência, vistos dos locais onde o pintor os viu e pintou, como forma de identificação “umbilical” com a arte em que se fixou depois de reformado, solitário, em conflito com o único filho e de ter assumido uma atitude de “ermita” na terra e no local onde vive. Ao seu redor, tudo está mal e merece a mais veemente contestação, iniciada verbalmente e continuada fisicamente se a situação o permitir e valer o transtorno. De Gaule é o seu mentor e a França nunca deveria ter abandonado a Argélia como forma de manter os argelinos no seu território, sob pena de se ter transformado na nação atual, multicultural e permissiva a todas as ideias, credos e práticas que nada têm a ver com a sua matriz.
Far’Hook (Sadek) tem como contraponto à sua juventude o estigma da raça e da religião muçulmana que o transforma em rapper, numa terra que o tolera desde que se enquadre nos padrões permitidos que não são necessariamente os assumidos pela sua geração. O seu protesto é declamado com música sincopada que excita o ouvinte, promove a união dos seus pares e estimula a distinção para com o modo de vida da civilização ocidental, bem como entre castas, ou bandas de outros rappers, que para o escopo desta história significa o mesmo.
Rachid Djaidani, Argelino de nascimento, realizador e argumentista deste filme onde ele deve ter colocado muito da sua própria vivência, promove uma viagem através da França com estas duas personagens extremadas que só muito remotamente se envolveriam numa relação social. Á partida, nada os une nem os justifica, exceto a decisão e os meios do primeiro e a necessidade do segundo. Durante a viagem, num carro a cair de podre e depois de muitas verdades sobre a situação global vigente terem servido como arma de arremeço mútuo, depois de muito fel destilado, surge uma centelha de compreensão entre ambos, que se fosse generalizada, promoveria a união, a compreensão e a paz que conduz ao progresso.

Classificação: 4,5 numa escala de 10

24 de outubro de 2017

Opinião – “Rosalie Blum” de Julien Rappeneau

Sinopse

Vincente Machot conhece a sua vida de cor. A sua rotina divide-se entre o salão de cabeleireiro, o seu primo, o seu gato e a sua mãe demasiado intrusiva. Mas a vida reserva por vezes algumas surpresas, mesmo aos que vivem de forma mais prudente. Cruza-se por acaso com Rosalie Blum, uma mulher misteriosa e solitária, convencido de já a ter conhecido antes. Mas onde? Intrigado decide segui-la para todo o lado, na esperança de a conhecer melhor. Não tem dúvidas que esta incursão vai levá-lo a embarcar numa aventura cheia de imprevistos, onde descobrirá personagens tão extraordinárias como comoventes. Uma coisa porém é certa; a vida de Vincente Machot vai mudar…

Opinião por Artur Neves

Esta é uma história de solidão, de ensimesmento de sentimentos quando a realidade se nos afigura difícil e quando por nenhum motivo ou condicionamento mental não ousamos sair da nossa zona de conforto, não dizemos que existimos e mostramos a nós próprios e aos outros que estamos preparados para as normais vicissitudes da vida, sem receio de falhar.
Vincente Machot (Kyan Khojandi) é um homem metódico para quem os dias são isentos de surpresa e as horas antecipadamente previstas cumprem-se com a regularidade do movimento da terra. É essa previsibilidade que lhe permite reconhecer-se nos atos e nas ações que diariamente se incumbiu de cumprir e seguir um percurso sem sobressaltos. Condicionado por uma mãe austera, crítica, interesseira e castradora que evidenciando uma suposta dependência e necessidade de apoio próximo e frequente, transforma vida de Vincente no marasmo insipiente que a história nos mostra, todavia, no seu íntimo a natureza agita-se, os pensamentos fermentam e os sonhos lembram-no da outra realidade que ele não tem coragem para enfrentar.
Como sempre, é a vida que nos acorda e com ele também assim aconteceu na figura de Rosalie Blum (Noémie Lvovsky) uma mulher de sorriso perene numa cara doce, sem ser bela, mas que se torna agradável no desempenho desta personagem enigmática que Vincente julga conhecer, embora sem saber de onde nem quando. Esta “memória” porém, é suficiente para perturbar o equilíbrio da sua pacata vida, da sua rotina, fazendo-o agir de forma tendencialmente anónima, cozido com as sombras da cidade, julgando-se invisível na busca que acendeu os seus embotados sentidos.
Segue-se posteriormente uma história de enredo pueril, ao nível da personalidade de Vincente, mas que nos prende, quanto mais não seja pela curiosidade de se saber como tudo aquilo irá acabar. Porem o realizador; Jullien Rappeneau, autor de “36” de 2004 e de outros filmes menos conhecidos não nos desaponta com as diatribes por que faz passar Vincente e a sua perseguida, justificando e clarificando todas as perguntas que implantou no nosso espírito nesta comédia romântica com tons dramáticos, que se vê com agrado pela estruturação de uma história improvável com personagens ímpares.

Classificação: 6 numa escala de 10

21 de outubro de 2017

Opinião – “Monsieur & Madame Adelman” de Nicolas Bedos

Sinopse

Como é que Sarah e Victor se conseguiram suportar durante mais de 45 anos? Quem era, afinal, esta mulher enigmática que vivia na sombra do seu marido? Amor, ambição, traições e segredos alimentam esta odisseia de um casal fora do normal, que nos acompanha nesta história do século passado.

Opinião por Artur Neves

Esta é uma história de amor, de amor real com todos os ingredientes das pessoas reais que amam, que se deixam amar, que detestam as condições a que se submeteram para conquistar e manter o seu amor e não o querem perder porque amam, partilham esse amor, rejeitam o que não vêm como parte do amor, deprimem porque amam, choram para não perder, rasgam-se para não maltratar, humilham-se porque são amadas e vivem assim um amor esdruxulo.
Sarah (Dora Tillier) e Victor Adelman (Nicolas Bedos), realizador do filme e argumentista em conjunto com Dora Tillier escalpelizam os contrastes da defeituosa alma humana real, de todos e de cada um de nós, à sua maneira e feitio, contrapondo duas pessoas que nada têm em comum, origens, cultura, objetivos, mas que por acidente, primeiro, e depois por teimosia obstinada, juntam os seus destinos para viver o amor das suas vidas.
O fruto desta relação são dois filhos que tendem mais em afastá-los do que a aproximá-los considerando as particularidades das suas personalidades conflituosas por vocação, interesseiros, jogadores e até malignos, tornam-se elementos de desunião e de afastamento do casal para os quais o amor que os une constitui o único farol que ilumina o percurso das suas existências tão conflituosas como apaixonadas.
Só o amor é eterno, as pessoas não e por isso separam-se, odeiam-se com todo o amor e legalizam a sua separação até que o afastamento imposto se torne insuportável pelo amor que prevalece e se afirme como uma maldição. Agora noutro contexto e com outra idade o amor toma a forma de uma amizade profunda, que cuida, protege e ampara a falta de segurança do corpo e de nitidez da mente e tudo se transforma embora o amor subsista naquela ligação esgotada pelo tempo mas não pelo sentimento.
Esta é uma história da tempestade da vida, magistralmente congeminada por dois atores argumentistas que transformaram a sua própria loucura criativa num filme louco que nos prende e fixa durante os 120 minutos da sua duração. Ambos estão bem adequados ao papel e completam-se na evidência das diferenças dos seus personagens, que nos mostram a vivência de um amor sem reservas, por vezes incongruente e cruel mas sempre dedicado ao objeto do seu amor. A cena final, perpetrada sem piedade nem remorso, corporiza a demonstração maior desse amor total e eterno. A ver, recomendo vivamente, pela qualidade da história e pela loucura benigna que nos transmite.

Classificação: 8 numa escala de 10

Opinião – “L’Economie du Couple” de Joachim Lafosse

Sinopse

Depois de quinze anos de vida em comum, Marie e Boris separam-se. Foi ela que comprou a casa na qual eles vivem com os seus dois filhos, mas foi ele que a remodelou completamente. Obrigados a coabitar temporariamente devido aos parcos meios de Boris, na hora do acerto de contas, nenhum dos dois quer deixar aquilo que julga ser seu por direito.

Opinião por Artur Neves

Não conhecemos Marie (Bérénice Bejo) nem Boris (Cédric Kahn), nem como chegaram ali, encontramo-los em plena crise matrimonial, na fase de saturação pela simples presença do outro, tendo previamente assumido a sua incompatibilidade mútua e decidido a separação de facto para que cada um possa, ou melhor, deva seguir o seu caminho, só que as contas ainda não estão feitas e nessa fase, para aquelas pessoas que nunca vimos anteriormente, não se trata somente de contabilidade doméstica de deve e haver.
Digo que não conhecemos Marie nem Boris porque nada na história nos elucida como chegaram aquela situação depois de 15 anos de matrimónio e de dois filhos, que devido à sua pouca idade oscilam e vacilam entre a preferência por um ou por outro, o que torna mais constrangedor o nosso olhar e o convite à nossa consideração sobre uma disputa que nos é apresentada sem qualquer informação do passado daquela relação, que no intervalo que nos é mostrado está recheada de questionamento mútuo.
Pelo desenrolar das constantes discussões, propostas mutuamente recusadas, acusações veladas e diretas, e simulacros de paixão algo incompreensíveis, vamos inferindo um percurso que não deve ter sido pacífico nem recomendável, mas nada nos leva a optar por qualquer das partes pelo que a aritmética de divisão de bens que pretendem concluir nos passa um pouco ao lado. Para complicar, a mãe de Marie; Babou (Marthe Keller) presumidamente conhecedora de toda a história, defende mais o genro do que a filha, que a destrata na sequência dos seus conselhos e para ali ficamos a olhar para a história sem qualquer opinião que se forme no nosso espírito.
O título Inglês para este filme belga é, “After Love” e para mim está mais adequado do que o nome original que lhe foi dado, considerando que perante os eventos dramáticos que nos são apresentados a aritmética dos bens tem um caracter absolutamente secundário em toda esta história realçando apenas o comportamento mesquinho de ambos os contendores.
Apesar de viverem um drama, ambos os personagens não apresentam estatura, nem densidade emocional que nos convença, construindo apenas um esboço dos destroços humanos que pretendem representar e que o guião do filme lhes permite. No final, perante um juiz, alcançam a desejada separação e vão cada um para seu lado e nós metemos a “viola no saco” e vamos para casa, algo encabulados por termos papado aquilo.

Classificação: 4 numa escala de 10

20 de outubro de 2017

Opinião – “K.O.” de Fabrice Gobert


Opinião – “K.O.” de Fabrice Gobert
Sinopse
Antoine Laconte é um homem de poder arrogante e dominador, tanto no seu meio profissional como na sua vida privada. Depois de um dia particularmente stressante, fica em coma. Quando acorda nada é como era antigamente; sonho ou realidade? Será uma conspiração contra ele? Ele está K.O.
Opinião por Artur Neves
Classificado como thriller, este filme apresentado em antestreia na Festa do Cinema Francês 2017, traz-nos uma história que dificilmente interpretamos como pertencendo à classificação atribuída, estabelecendo mais uma vez as significativas diferenças entre as cinematografias europeias e americanas, que o nosso mercado tem tendência em nos servir.
Laconte (Laurent Lafitte) é um gestor de topo numa empresa de comunicações que age discricionariamente com todos os subordinados na perseguição voraz do sucesso absoluto que ele pretende alcançar para a empresa e para si próprio como objectivo último da sua passagem pela vida. Na sua vida privada, escassa e frugal, replica o mesmo comportamento reunindo-se de bens materiais avultados, onde desfruta de uma caricatura de vida sentimental, parca de afetos, na companhia da sua mulher, Solange (Chiara Mastroianni) que deambula solitária pela casa com muito pouca ligação com ele e com as suas necessidades, que ele satisfaz onde calha.
Porém, há sempre um dia em que tudo muda, e esse dia acontece quando na sequência de um enfarto ligeiro ele entra em coma e o seu cérebro letárgico reverte todos os conceitos estabelecidos fazendo-o “viver” uma vida oposta da que está convencido que é a que detém por direito, confrontando-o com a “vida” dos outros que ele subjuga.
Imobilizado na cama do hospital, o outrora poderoso Laconte, “faz-se” sofrer das dificuldades normais que provoca aos outros, como que vivendo a sua vida num espelho, que transforma a imagem simétrica do seu contrário, na realidade que ele é agora forçado a viver, coabitando e relacionando-se com todos os personagens da sua vida real, mas num patamar de igualdade que lhe é completamente estranho.
Trata-se pois da luta interna deste homem, agora fragilizado pelo acidente vascular que sofreu, sendo confrontado com a sua fraqueza e normalidade humana que ele sempre recusou, que ele sempre escondeu sob o manto diáfano do despotismo em benefício de um bem maior, que subitamente, através de evento violento o despoja das suas premissas e o confronta com uma vida e uma realidade que totalmente desconhece, embora sempre tenha vivido nela mas noutro contexto. Trata-se no fundo, do confronto connosco próprios para que possamos progredir para um nível superior de existência, se soubermos aprender e aceitar a oportunidade de redenção.
Bem interpretado, escorreito no argumento, sem deixar pontas soltas e com uma história interessante eis aqui um bom exemplar da cinematografia francesa. Recomendo.
Classificação: 7 numa escala de 10

19 de outubro de 2017

Opinião – “Compte tes Blessures” de Morgan Simon


Sinopse

Cantor carismático de uma banda hard rock, Vincent, de 24 anos, já tatuou metade do seu corpo. Calmo e de olhar incandescente, o mundo pertence-lhe.
A chegada de uma nova mulher na vida do seu pai vai trazer tensões.
Vincente não consegue conter a sua cólera nem o seu desejo.

Opinião por Artur Neves

Na mitologia grega existe a fábula de Phedra, esposa de Teseu rei de Atenas, que se apaixona perdidamente por Hipólito, filho de Teseu no seu primeiro casamento com Antíopa, uma Amazona que tinha raptado e desposado secretamente, por se ter perdido de amores. O resultado desta paixão não pode ser edificante e a morte de ambos foi o final coerente para tamanho sacrilégio segundo a moral da época.
Na nossa história de agora é o filho; Vincente (Kévïn Azais) que se apaixona por Julia (Monia Chokri), namorada de Hervé (Nathan Wilcox), seu pai, que este traz para sua casa, partilhada com Vincente. A recusa inicial do filho, por macular a memória da mãe, depressa se transforma numa paixão avassaladora pela promitente madrasta, decorrente da semelhança de idades e de cultura, numa sociedade profundamente marcada pela identificação com valores e convenções que provoquem a rotura com as práticas anteriores.
O cinema europeu e particularmente o cinema Francês, sempre soube abordar com profundidade os dramas sociais e da alma humana quando contrariada nas suas profundas aspirações de desejo e de felicidade. Vincente é um jovem revoltado com a sua existência exprimindo essa incompatibilidade nas suas performances de vocalista hard rock que mais parecem um insulto geral a toda a sociedade que o “condenou” a mascarar-se com imagens tatuadas na ansia de ser diferente e de trazer algo de novo a um dia-a-dia insípido e vulgar. O desempenho do ator é convincente, bem como a sua transmutação quando se encontra com o objeto da sua paixão que lhe causa ódio contra o pai, outrora sua referência e companheiro de trabalho na faina do mar a que ambos se dedicam.
É pois neste caldeirão de sentimentos emergentes e nunca sentidos que Hervé se apercebe da paixão entre os dois amantes genuínos, porque próximos e culturalmente semelhantes, e que numa primeira instancia luta pela mulher que lhe arrebatou o coração, mas depressa reconhece ser uma batalha perdida. É aqui que o filme mais se afasta da fábula de Phedra, pois o pai, sem ânimo nem coragem para lutar, abdica do seu papel de macho alfa e desiste num desfecho que me parece que a história não merecia. Interessante pelo argumento e pelo desempenho dos atores.

Classificação: 5 numa escala de 10

10 de outubro de 2017

Opinião – “O Estrangeiro” de Martin Campbell


Sinopse

Um thriller de enorme tensão que nos traz o famoso Jackie Chan como um homem bom e humilde, dono de um restaurante na Chinatown de Londres, numa missão para encontrar os terroristas responsáveis pelo atentado que provocou a morte da sua amada e única filha.
Para descobrir a verdade, Quan (Jackie Chan) entra num jogo político de gato e rato com Hennessy (Pierce Brosnan), um responsável do governo com uma história sombria.
Enquanto Quan avança na identificação dos assassinos, cada um deles terá que enfrentar o seu passado.

Opinião por Artur Neves

Martin Campbell, realizador Neozelandês, com vários filme de ação no curruculun, tais como; 007 “Casino Royale” e “GoldenEye” e outros de idêntica nomeada, apresenta-nos aqui uma história de terrorismo fora de tempo, porque baseada no romance “The Chinaman” de Stephen Leather, editado em 1992, numa época muito anterior à primavera árabe que está na base do terrorismo atual tal como o conhecemos, todavia tão violento e mortífero como foram os ataques perpetrados pelo IRA e pelo seu braço armado Siin Féin, fundado em 1905 e destinado a unir grupos Irlandeses nacionalistas contra o domínio britânico.
Apesar de fora de tempo esta história consegue mostrar-nos um filme de ação, bem estruturado, com um final previsível, muito embora com bons elementos de surpresa e enredo bem entretecido que nos mantém presos ao desenvolvimento de toda a história. Quan, o estrangeiro do título, interpretado por um Jackie Chan sem a desenvoltura de outrora, mas em quantidade suficiente para nos entusiasmar em segui-lo na sua busca pelos assassinos da sua filha. Com a idade perdeu a dinâmica de “loucura” que caraterizava os personagens anteriormente interpretados e isso é uma vantagem neste filme.
Por seu lado Pierce Brosnan, que ultimamente nos tem habituado ao desempenho de personagens pacatos e mais ou menos românticos mostra-nos aqui uma faceta mais séria, dúbia e política no pior sentido, que concentra todo o segredo da história num desempenho convincente envolvido em todo o desenvolvimento político da ação no que concerne ao governo Inglês colocado em cheque pelos dramáticos eventos que vão ocorrendo em Londres.
A história, com um início imprevisto, está bem urdida e mostra-nos com pormenor a dor de um pai e de tudo o que ele está disposto a fazer para conseguir a justiça que o governo Inglês, em colaboração com as autoridades Irlandesas estavam dispostos a mascarar em benefício do acordo alcançado para o desmantelamento do IRA, desqualificando a sua ala mais radical que nas suas intenções mais profundas nunca desarmou os seus verdadeiros objetivos. Com todos os ingredientes do thriller político e policial, temos aqui uma história escorreita que se vê com agrado e interesse durante quase duas horas. Recomendo.

Classificação: 6 numa escala de 10

6 de outubro de 2017

Passatempo - IRREFUTÁVEL

A D'Magia tem para oferecer 2 convites duplos para o novo espectáculo de Hugo Rosa, "Irrefutável",  dia 13 de Outubro, às 21.45h:

Sinopse:
O espetáculo onde mentir compensa “Irrefutável” é o novo espetáculo de Hugo Rosa, onde mentir compensa. O humorista coloca os seus convidados à prova em vários jogos de mentiras e bluff, tudo na sua demanda para encontrar o/a melhor mentiroso/a do mundo.
A procura começa dia 13 de Outubro, às 21h45, no Auditório Carlos Paredes, em Benfica.


Será que a Joana Gama adotou um canguru bebé?
Acreditas que o João Pinto tem todas as camisolas do Benfica desde 1993?
É verdade que o Paulo Almeida está banido de entrar na Padaria Portuguesa?
Será o Pedro Luzindro capaz de nomear todos os vencedores de Óscar de Melhor Filme da última década?

Histórias inacreditáveis e bluffs estonteantes é o que se pode esperar desta mistura volátil de convidados. Põe o teu radar de mentiras à prova e assiste ao espetáculo que a Rainha de Inglaterra apelidou de “bonito para chuchu!”. Ou será que apelidou?

NOTA: O espetáculo vai ser filmado para fins de publicação no YouTube, no entanto não será recolhida qualquer imagem do público.

BILHETES: https://bol.pt/Comprar/Bilhetes/54024-irrefutavel-auditorio_carlos_paredes
DATA: 13 de Outubro de 2017
HORÁRIO: 21h45
LOCAL: Auditório Carlos Paredes, Av. Gomes Pereira, 7, 1549-019 Lisboa

E para estares sempre informado, segue também aqui:
@hugohrosa - www.facebook.com/hugohrosa
@irrefutavel - https://www.facebook.com/events/1961336770803304/

Para te habilitares a ser um dos vencedores só tens de responder à seguinte pergunta:
- Quem são os 4 convidados do espectáculo IRREFUTAVEL?

Caso nos sigas nas nossas outras plataformas, a tua participação conta como mais uma por cada plataforma em que nos seguires. Basta nos referires na tua participação o teu nome de seguidor em cada uma delas. As nossas plataformas são: 

Blog D'Magia LifeStyle / Inconfidências de Pedaços Rasgados de Memória - https://www.pedacosrasgadosdememoria.blogspot.com

Regras do passatempo:
1) Enviar a resposta para martadacunhaecastro@gmail.com indicando: Nome Completo, Número de BI ou CC, Nome de Fã no Facebook e Nome de Seguidor no Blog
2) O assunto do email deverá ter a menção Passatempo - IRREFUTAVEL
3) Só é válida uma participação por pessoa/e-mail.
4) É obrigatório seres nosso Fã no Facebook e Seguidor no Blog.
5) O passatempo é válido até às 23:59 de dia 11 de Outubro
6) Os vencedores serão apurados através de um sorteio via random.
7) Os vencedores avisados através de email.

3 de outubro de 2017

Opinião – “Blade Runner 2049” de Denis Villneuve


Sinopse

Trinta anos após os eventos do primeiro filme, K, um novo blade runner, oficial da LAPD (Ryam Gosling), desvenda um segredo há muito enterrado que pode potencialmente mergulhar no caos o que resta da sociedade.
A descoberta de K leva-o numa missão para localizar Rick Deckard (Harrison Ford), um antigo blade runner da LAPD, desaparecido há 30 anos.

Opinião por Artur Neves

Esta história segue todos os parâmetros estabelecidos no primeiro filme, atualizando-os á data em que os atuais eventos se desenrolam. K cumpre a sua função de polícia na perseguição aos replicantes que se revoltam contra a ordem estabelecida e pretendem viver por sua conta e risco a simulação de vida que conseguem construir.
Sem emoções e programados para cumprir determinadas funções imprescindíveis aos seres humanos que os criaram, estas máquinas biológicas conseguem evoluir para estágios superiores de existência tendo como objetivo superar os seus criadores, sendo nesta fase que a intervenção dos blade runners se torna necessária, só que desta vez um segredo foi sentido e a busca pela verdade iniciada, por quem não se esperaria obreiro de tal façanha.
Para lá da história que preenche a ação do filme outras valências se apresentam como justificadoras da sua excelência, considerando a ordem social que nos é mostrada, os seus códigos e regras, as suas leis, a sociedade que se formou decorrente de um mundo tecnologicamente evoluído mas controlado, as necessidades e as compensações que foram criadas para manter a coabitação entre humanos e não humanos.
Não quero com isto dizer que a Los Angeles de 2049 tenha aquele aspeto e ambiente ou que a ficção pretende dar-nos uma imagem do futuro, tal como, a LA do primeiro filme não corresponde minimamente à LA real dos tempos de hoje, mas serve para nos apresentar propostas de resposta a perguntas que embora não tendo sido feitas, nos mostram uma perspetiva social da nossa permanência na terra e da sua utilização desregrada, numa altura no futuro, em que alguma coisa terá de ser feita para não nos aniquilarmos todos uns aos outros em busca dos mesmos objetivos.
Repare-se nas ruas, nos meios de transporte, no modo de vida individual e fundamentalmente nas compensações emocionais que são oferecidas para preencher o vazio de toda uma existência solitária e estéril. Fora de LA, a vida é um caos de luta selvagem e primitiva por bens que não existem, vive-se numa enorme lixeira que a evolução não soube conter nem regularizar enquanto esteve ao nosso alcance, de tal modo que sair da metrópole é sinalizado com aviso de perigo em todos os meios de transporte.
Esta vertente do filme é para mim a mais interessante, porque motivadora de reflexão tanto para a utopia que encerra, como para as soluções que propõe, mostrando-nos o quanto somos descartáveis neste universo e o quanto pouco sabemos dos nossos verdadeiros desígnios. Muito bom, recomendo com entusiasmo.

Classificação: 9 numa escala de 10