20 de março de 2016

Opinião - "Ressurreição" de Kevin Reynolds

 
Sinopse:
Depois da cruxificação de Jesus Cristo, Poncio Pilatos encarrega o tribuno Clavius (Joseph Fiennes) de proteger o túmulo e impedir que o corpo desapareça. Quando o aparentemente impossível acontece, Clavius e o seu ajudante Lucius (Tom Felton) iniciam uma investigação para localizar o corpo, desacreditar os rumores de que um Messias regressou dos mortos e impedir uma revolta em Jerusalém.
 
Opinião por Marta Nogueira
Há duas histórias da carochinha que afligem a sociedade ocidental há diferentes quantidades de tempo - a de que o nazareno Jesus Cristo é filho de Deus e a de que todas as histórias têm sempre um final feliz. A primeira foi arquitectada por uma seita iniciada por 11 criaturas inocentes sob o feitiço de um homem com um carisma extraordinário (eu própria, agnóstica que sou, gostaria de o ter conhecido) e que se transformou ao longo dos séculos numa instituição poderosíssima chamada Igreja Católica. A segunda começou no início do século XX numa região da Califórnia chamada Hollywood. Quando as duas histórias se juntam, deparamo-nos com um produto semelhante a "Ressurreição" de Kevin Reynolds.
Estreado a tempo de ser distribuído durante a Páscoa em todo o mundo, de forma a arrecadar mais uns quantos milhões de dólares, este "Rising" de Kevin Reynolds é uma tentativa de baralhar as cartas e voltar a dar numa abordagem ligeiramente nova aos já tradicionais relatos sobre a vida e a morte de Jesus. Desta vez, as cabecinhas pensadoras de Hollywood fizeram um brainstorming iluminado para ganharem mais uns trocos na Páscoa de 2016. Estou a imaginá-los. "Outra vez a vida Cristo? Isso já deu o que tinha a dar. Que tal a vida de Judas?" "Não, isso é demasiado violento. O homem enforcou-se e traiu o outro." "Não havia mais ninguém? E aquele que cegou e se transformou num apóstolo póstumo?" "Não tem carisma suficiente. Precisamos de algo mais fulgurante." Até que alguém a certa altura exclamou: "Já sei! Vamos pôr um soldado romano a fazer um CSI na Jerusalém de início do milénio. Em vez de pistas de ADN, andará à caça de pedras tumulares misteriosamente removidas sem a ajuda de instrumentos, testemunhas oculares que proferem frases enigmáticas e judeus determinados a fabricar provas circunstanciais com o objectivo de minar a credibilidade de uma nova seita que estava a ameaçar o seu domínio na Palestina!" "Boa! é isso mesmo. Brilhante! E quem será o nosso investigador?" "Liga aí ao Ralph Fiennes. É giro, tem aquele semblante sério que atrai as mulheres e os homens ao mesmo tempo. Diz-lhe para começar a exercitar os músculos. Queremos que fique bem naquelas armaduras romanas." Não contentes com isso, as cabecinhas brilhantes lembraram-se ainda de converter o soldado durante o seu processo investigatório, rendido à bondade e ao carisma mágico de Cristo.
Este aparece sempre a sorrir beatificamente, numa onda muito zen (demasiado zen!), muito sereno e com um ataque de abracite aguda - todos os que dele se aproximam levam com um abraço, toma!
Como se isto não bastasse, os apóstolos são-nos apresentados como se tivessem acabado de sair do filme "Branca de Neve" de Walt Disney, onde representaram os 11 anões e tivessem sido directamente trasladados para a Palestina, sem ser sequer preciso haver troca de maquilhagem ou de guarda-roupa. Alegres e saltitantes (alguns demasiado alegres e saltitantes, como se tivessem fumado alguma erva que por ali andava à mão de semear ...), fogem pelas colinas secas do deserto e só lhes falta darem as mãos e dançarem em círculos em volta do soldado romano que os persegue curioso, depois de ter assistido a um dos truques de magia de Jesus, que apareceu e desapareceu sem deixar rasto. Abracadabra!
Há também o costumeiro aprendiz de feiticeiro, neste caso um soldado jovem e inexperiente destacado para auxiliar Clavius na sua investigação criminal e que começa por correr atrás do nosso herói, ávido das suas palavras sábias sobre as estratégias mais eficazes para combater os insurrectos, e acaba transformado no seu arqui-inimigo (este é demasiado inteligente para cair em truques de prestidigitação, digo eu ...).
Não falta ainda o vilão-mor da fita, personificado por Pôncio Pilatos que, como qualquer verdadeiro mafioso, é quem ordena a investigação mas lava as mãos do assunto, tal e qual como fez quando ordenou a cruxificação de Cristo a pedido dos judeus, para acalmar as hostes na sua Província.
Este filme é daqueles em que podemos ir colocando cruzinhas nos itens habitualmente utilizados por Hollywood para construir um sucesso de bilheteira. Conflito principal - check. Herói - check. Vilão - check. Início problemático seguido de resolução feliz - check. Grande pincelada - check (este ítem é da minha responsabilidade).
Resumindo, Kevin Reynolds, realizador de Robin Hood, Waterworld e o Conde de Monte Cristo, não fugiu ao estilo a que já nos tinha habituado com os seus anteriores sucessos de bilheteira. Dez anos após "Tristão e Isolda", ressuscita com esta obra medíocre e só temos de agradecer a alguém ... que não tenha colocado o seu velho amigo Kevin Costner como protagonista. Isso sim, teria sido um calvário absolutamente insuportável.
 
 
P. S. Não pretendo ofender ninguém com esta opinião. Limito-me a expressá-la, assim como os que crêem expressam a sua. Peace and love.

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